terça-feira, 11 de novembro de 2008

Adocao, um ato de nobreza!


Beti Timm do blog: Rosa Choque

Olhos nos sonhos

O corpo franzino esgueira-se pela porta, adentrando a sala vazia.
Os olhos baixos, concentrados no chão, num ponto único.
O rosto com os ossos salientes sugerem um amadurecimento forçado. Não há marcas mesmo que indeléveis de algum sorriso, ali registradas uma única vez.
Morosamente, senta-se com cuidado na poltrona, como temesse ser repreendido, por usar algo indevidamente.

O olhar continua pregado no chão, a cabeça cabisbaixa, o queixo, quase se juntando ao peito, entre os ombros curvados.
As mãos pequenas, de unhas cortadas rentes, desenham figuras imagináveis, na bermuda gasta, de uma cor que um dia foi azul.

A idade é imprecisa, no máximo uns doze anos, mas aparenta bem mais. Absurdamente representa ter dezesseis anos.
Dezesseis anos de dores.
Sua figura parece gritar essas dores vivenciadas durante anos, após anos sem nenhum lenitivo, sem um bálsamo para as feridas que seu corpo e sua existência carrega.

Mesmo sem mencionada, a aspereza de sua curta vida, é nítida.
Nele visualiza-se a fome que rasga suas entranhas, o frio úmido dos chãos sujos onde aconchegou seu corpo, numa seqüência massacrante.
Percebe-se o medo, que o acompanha sempre. O medo das surras que já lhe marcaram o corpo pequeno, o medo do inusitado, do perigo em cada esquina.
O medo que esquarteja sua vida, que lhe tira o sono, nas vigílias de noites, passadas nos becos, nas marquises dos prédios, onde se escondia.

O silêncio é tão grande que se escuta sua respiração lenta, mas ansiosa.
Vozes baixas chegam até a sala, onde ele está, como sussurros. Repentinamente, cessam as vozes na sala ao lado.
A porta se abre lentamente, uma mulher entra, acompanhando-a, outra mulher, sisuda, demonstrando um profissionalismo. Provavelmente uma assistente social.

A que entrou na frente, dirigi-se ao menino, com voz calma. Apresenta-se, e estende a mão denotando uma timidez e um nervosismo controlado a duras penas. Ele ergue os olhos. São castanhos, grandes, destoando do rosto magro. Olhos tristes, opacos, quase sem vida, estão inquisidores, vasculham algo que não tem certeza do que seja. Talvez uma resposta pras suas ansiedades, seus medos. Um caminho, pra carregar seu corpo pequeno, cansado da dor, do sofrimento, da desesperança.

O medo, ainda está ali estancado, como um vigilante incansável. A outra mulher, explica com voz fria, indiferente aos seus medos, que a moça, de gestos calmos veio para levá-lo para sua casa, para um período de adaptação, pois pretende adotá-lo.

Seu coração dispara, quase lhe sacudindo o corpo franzino. A moça continua com a mão estendida pacientemente.
A dúvida instala-se momentaneamente; A segurança frágil, mas certa do abrigo, ou o inesperado. Nem tem certeza de que saberá viver em uma família, num lar, ter comida, roupas, uma cama quentinha e talvez quem sabe de vez em quando, um carinho, uma palavra meiga.

Ele quase se atreve a pensar que aquela mulher estranha, com a mão estendida, lhe dará o que tanto espera. É um pensamento fugaz, mas não custa nada sonhar, ter esperanças. Ergue a mão com cuidado. Encontra a outra, que é quente, macia, aconchegante. A mão por onde chegam seus sonhos, aperta a sua com força, mas com uma carícia acalentadora.
Um sorriso meigo desenha-se no rosto da dona daquela mão, que lhe insinua uma vida decente.

Ela dirige-se à saída, segurando-o e conduzindo-o ao seu lado, com carinho e firmeza. Chegam, lado a lado, à rua, o sol é brilhante, como os olhos, fixos na moça. Caminhando lentamente, seus olhos, hipnotizados não se desviam, do rosto bondoso e calmo, de sorriso meigo.
Olhos na esperança! Olhos nos sonhos!

O menino do texto é fictício, mas inspirado nos milhares de adolescentes esquecidos e descriminados nas diversas Instituições e Abrigos existentes no Brasil e no mundo.


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