quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O menino, o irmao e a filha



Clarisse do blog: Clabrazil nas Zuropas


Fazia tempo que a mãe tentava engravidar. Mais precisamente há seis anos, quando se casara com o pai. Ainda criança sonhara em ter uma família grande. Seu ideal de felicidade era uma casa ampla, cheia de portas abertas por onde os pequenos corressem, seus cabelos finos embalados pela brisa maritíma da longinqüa cidade litorânea onde se estabeleceram, ela e o pai.

Da carreira construída com muito estudo, mãe não tinha o que reclamar. Profissionalmente, ela e o pai estavam no ápice. Na região onde viviam havia muita pobreza e a população carecia de dedicados profissionais de saúde como eles. No atendimento aos pacientes, mãe supria um pouco sua vontade de gerar vida quando suas dicas sobre alimentação barata e nutritiva melhoravam a vida de crianças à beira da miséria. No entanto, a frustração de não poder gerar vida em seu corpo a doía demais.
Por conta da vida atribulada que levavam, mãe e pai resolveram procurar uma empregada para ajudá-los nas tarefas domésticas. Foi quando Rita surgiu. Estava no fim da adolescência e era cabocla como a maioria dos nascidos na região. Sua faceirice de menina parecia tentar esconder uma tristeza misteriosa e profunda. Rita precisava muito do emprego e tamanha disposição agradou mãe, que deu-lhe o emprego de imediato.
Com o passar de alguns meses, entretanto, mãe notou Rita indisposta.

Com o jeito didático e acolhedor que lhe eram típicos, mãe chamou Rita para conversar. Timidamente, ela veio. Sentadas frente à frente na mesa da cozinha, mãe mostrou sua apreensão — a qualidade do trabalho de Rita tinha caído muito nos últimos tempos. Mal havia mãe terminado de falar, Rita debrulhou-se em lágrimas.
Ela estava grávida.
Mãe ficou pasma diante da revelação da empregada. Enquanto ela e o pai, com todos os recursos financeiros e emocionais que tinham não conseguiam realizar o sonho de ter filhos, ela, Rita, pobre e sem um relacionamento estável com o pai do feto em seu ventre, tinha engravidado.
Foi preciso juntar todas suas forças para manter Rita em sua casa. Mesmo que doesse em mãe conviver com uma grávida em seu próprio lar, não podia abandonar a moça naquele momento tão difícil.
Surpreendentemente, uma afeição muito grande foi surgindo na medida em que a barriga de Rita crescia. E mais forte ainda foi o laço que se criou com o nascimento do menino. Mãe e Rita se dividiam nos cuidados com o bebê. Ambas viam o menino crescer saudável e feliz. Tê-lo correndo pela casa fazia mãe praticamente esquecer que o menino não era dela. Vê-lo de bracinhos abertos buscando seu abraço lhe dava a certeza de que o menino era dela.
Inexplicavelmente, a presença do menino trouxe não só alegria como também uma onda de fertilidade. Sem maiores esperanças de um dia gerar vida dentro de si, mãe engravidou. O irmão chegou dois anos depois, como uma benção divina.
A felicidade instaurada naquela casa foi abalada com a notícia de que Rita havia encontrado um novo parceiro e planejava deixar a cidade com ele em busca de uma nova vida. Mãe gelou. Rita partir significaria também dizer adeus ao menino. Era impensável para ela ser mãe sem o menino, mesmo que já tivesse sido presenteada com o irmão, fruto de seu próprio ventre.

Cinco anos depois da primeira conversa na mesa da cozinha, mais uma vez, mãe e Rita se sentaram. Com lágrimas nos olhos, ambas chegaram ao consenso de que o menino teria melhores chances com mãe, pai e irmão, do que com Rita e seu novo parceiro em uma cidade distante e estranha.
Antes de partir, porém, Rita fez um pedido à mãe e pai. Quatro anos antes de engravidar do menino, quando ainda vivia no interior e não passava ela mesma de uma menina, Rita havia tido uma filha. A filha vivia com a avó em condições mínimas de subsistência, andava fraca, doente e estava em idade escolar mas não ia à escola. Rita gostaria que ela tivesse a oportunidade de um futuro tão promissor quanto o menino e o irmão. Mas não podia garantí-lo em sua nova vida.
Rita partiu. O menino ficou, o irmão, de fato, se tornou, e a filha chegou.
Hoje em dia, o menino é músico, além de estudar educação física e trabalhar com deficientes físicos. O irmão estuda turismo. A filha é advogada e casou-se há poucos meses. E mãe e pai, de maneira que nunca imaginaram, têm uma família ainda mais feliz que sonharam.

Fazendo parte da blogagem: Adocao, um ato de nobreza!

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