sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Adocao, um ato de nobreza!


Cris Penaforte do blog: Fragmentos de Mim



" Blogagem Coletiva - Adoção, um ato de nobreza! "



Estava pensando em o que postar sobre a Adoção, tema dessa Blogagem Coletiva, proposta pela Georgia , não querendo postar dados, números, estatísticas, queria algo mais simples, mais delicado, uma história de vida, e foi aí que me lembrei de Raquel ...


Eu os conheci a alguns anos, através do trabalho. Sr. Samuel e D. Sara vieram crianças para o Brasil, fugindo da Alemanha nazista, em porões de navios lotados de judeus, que como eles fugiam da morte na esperança de poderem reconstruir a vida em outro país. Sr. Samuel chorava por ter deixado lá uma irmã de 09 anos, veio com dois irmãos mais novos, dos pais e da irmã nunca mais teve notícia. D. Sara veio com a mãe e o pai. Aqui cresceram, e ainda jovens se conheceram. Se casaram quando ele tinha 20 anos e ela 16 anos. Tiveram seus três filhos, D. Sara uma mulher muito especial, deu aos filhos nomes que para ela tinham significados especiais: Davi, o mais velho - O Rei Davi; Diana, a do meio - A Deusa; Raquel, a caçula - A mãe Raquel dos Judeus.

Davi e Raquel se casaram, Diana cuidava dos pais e viajou o mundo. Sr. Samuel, um bom comerciante, tinha uma loja de móveis muito tradicional aqui na minha cidade, hoje cuidada por Raquel e Diana.

Raquel se casou aos 18 anos. Muito jovem queria muito ter filhos. Os anos passaram e eles não vinham. Até que foi constatado que por um problema genético, seu marido não podia ter filhos. Aos 25 anos sofria a tristeza de não ter os filhos que tanto desejava, até que resolveu que os teria, "adotados". Através de um vendedor de móveis que vendia para a loja da família, ficou sabendo de um orfanato lá no Sul do Brasil, perto da casa dele, que estava em péssimas condições financeiras, e tinha muitos bebês para cuidar, não tendo condições para fazê-lo. Depois de se certificar do endereço, na semana seguinte Raquel partiu para o Sul com o pai e o marido. De lá trouxe sua filha mais velha. Ela conta que foi o primeiro bebê que ela viu nesse orfanato. Estava muito doente, fraca, não parecendo um bebê de 08 meses. Quando ela me contou, relembrava chorando, eram vários outros bebês, mais saudáveis até, mas ela diz que aquela criança " a adotou" quando seu olhar triste cruzou com o dela. Cuidou dela, e a família estava em festa, pois Raquel enfim, tinha sua bebê. Três anos depois, ela recebeu uma carta da Irmã que dirigia o orfanato. Ele seria fechado por total falta de condições. E ela implorava a Raquel que se ela pudesse ajudá-los fosse até lá e adotasse novamente. Ela conta que ficou com seu coração apertado, relembrando o lugar, e ao ver sua filha e o quanto eram felizes por tê-la, tomou a decisão e voltou ao orfanato. O marido estava se recuperando de uma cirurgia, e ainda assim, ela não mediu esforços, foi com o pai até lá, e ao chegar lá foi "adotada" por mais uma menina que aos 03 meses de idade já era muito doente. Complicações no parto, a deixaram com várias sequelas, e mesmo assim, Raquel trouxe a sua filha mais nova.

Segundo ela, foram anos difíceis. A doença do marido, e os cuidados muito especiais com a filha mais nova tomavam todo o seu tempo. Ela parou de ter outra vida a não ser a de mãe e a de uma esposa com um marido muito doente. Tinha a ajuda dos irmãos e dos pais. Em especial a financeira, pois os gastos eram muito grandes.

Raquel é baixinha. De olhos azuis transparentes, sua aparente fragilidade física engana, pois ela é uma das mulheres mais fortes que eu já conheci na minha vida.

Em meio aos tratamentos que a filha mais nova tinha que ser submetida, cirurgias, as crianças foram crescendo. Logo as duas filhas de Raquel eram duas mocinhas. Com a morte dos pais, um logo após o outro, ela, e os irmãos tiveram que assumir a loja de móveis , que de certa forma era o sustento firme de todos eles.

Suas filhas foram crescendo na loja, com os funcionários, que eram como da família por serem muito antigos. Logo a mais velha entrou na faculdade e se tornou independente, indo morar no Rio, para estudar e trabalhar, hoje é uma atriz de teatro. Mais uma perda na família e com a morte prematura do irmão, que já era viúvo, Raquel adotou o sobrinho adolescente, que ficou sem pai e mãe. Com a ajuda de Diana, deram estabilidade ao rapaz. E em mais uma das surpresas da vida, Raquel ficou muito doente, abalada com a morte do irmão, sofreu um infarto que a deixou muito mal por vários dias, sendo até mesmo desenganada pelos médicos, passou por três cirurgias, quase deixou de andar, esteve entre a vida e a morte mas conseguiu se recuperar admiravelmente. Viveu novamente como ela mesmo diz, e um ano depois, trabalhava normalmente.
A filha caçula se formou, e é uma fisioterapeuta. Não exerce a profissão. É atormentada pela rejeição, aos 30 anos não supera o fato de ter sido deixada em um orfanato, muito doente e quase sem chances de sobreviver pela própria mãe. Raquel nunca escondeu das filhas que são adotadas, conversou com cada uma delas desde muito cedo, fazendo-as entender que as ama imensamente. Diz todos os dias à mais nova que agradece a mãe biológica dela por tê-la gerado, se não fosse a mãe, Raquel não a teria como filha. É uma moça delicada, frágil, que oscila entre a alegria e a tristeza, e Raquel não a abandona nunca. É forte e até mesmo dura com ela quando necessário, tentando fazê-la entender que ela não tem motivos para viver tão triste, afinal tem pai e mãe, e uma tia que a amam muito. É incansável para ajudar as filhas e o sobrinho, cuida de todos com muito amor e dedicação, e do marido também, que é um senhor muito doente .

O sobrinho já formado, é um jovem advogado e ama Raquel como a própria mãe.

Me impressiona a dedicação e a bondade dela, muito justa e honesta, incansável. Ajuda a todos. Seus funcionários, seus filhos e netos. Se preocupa com todos até mesmo quando sente tristeza em qualquer um que esteja perto dela. Presenciei certa vez, na loja delas, (tinha passado lá para vê-las), uma cliente que tinha ido comprar um bercinho para o seu bebê, estava com o marido, e a moça chorava muito, ninguém entendia o porque. Raquel achou que ela estivesse se sentindo mal, levou uma cadeira para que ela se sentasse, deu água, e perguntou se poderia ajudar em alguma coisa. A moça chorava e não conseguia falar direito. Raquel se dirigiu ao marido e perguntou se poderia ajudar, se ela estava se sentindo mal. Ele respondeu que ela estava assim pois estava emocionada e com medo. Tinham ido comprar o bercinho para o bebê, que tinha chegado naquele dia, aí explicou: Eles eram casados há 12 anos e não puderam ter filhos. Há cinco esperavam na fila para a adoção, e tinham conseguido adotar um lindo menino, que tinha sido entregue a eles naquele dia. A moça chorava emocionada por estar comprando um berço para o filho que ela conhecia há poucas horas, e já amava tanto. E chorava de medo, pois segundo o rapaz era incerto se a criança ficaria com eles ou não, dependeria de uma decisão final que sairia em um mês no máximo. Raquel emocionada, a abraçou com muito carinho e contou a ela sua história, que ela tinha duas filhas adotadas. Os parabenizou por serem pais tão especiais e disse a ela que não temesse, o bebê era deles, daria tudo certo. Ficaram lá conversando. Fui embora e uma semana depois quando passei lá novamente, fiquei sabendo que Raquel tinha dado o berço, e uma cômoda de presente para o bebê. Eu ia lá com frequência vê-las, e depois Raquel me contou que tinham levado o bebê para que ela conhecesse e que já tinha saído a decisão final, eles conseguiram em definitivo a adoção da criança.

Raquel é um belo exemplo de força e coragem, de bondade e dedicação ao seu próximo. Me disse algumas vezes que se pudesse teria adotado mais crianças. Mas não pode. A doença do marido exigia muita dedicação, e foi um milagre ela ter conseguido adotar e criar as duas filhas, além do sobrinho. É inteligente, de um senso de humor único. Hoje Raquel é uma jovem e bonita senhora de sessenta e poucos anos, que se levanta às 05 hs da manhã e não tem hora para dormir.

Raquel é uma mãe como a minha ou a sua mãe, mesmo não tendo gerado suas filhas. Qualquer um que esteja perto dela acaba se sentindo um pouquinho que seja, filho de Raquel. Um ser humano sem apego nenhum a coisas materiais, que trabalha para viver, um dia após o outro, e que se doa ao máximo a quem precisa de ajuda, em especial se tiver uma criança envolvida.

A história de Raquel me pareceu oportuna para ser contada aqui nesse post. Uma história de muito amor.