segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Filho, melhor tê-los...


Regina Coeli do blog: Canteiros

Filhos, melhor tê-los...


Essa reportagem quando li chamou-me bastante atenção pelo desprendimento desse pai em não fazer escolhas e acima de tudo de adotar uma criança com problemas de saúde. E como ele afirma “Eu precisava desse amor incondicional. Eu queria experimentar isso. Foi o Théo quem salvou a minha vida, e não o contrário”

Sérgio D"Agostini nasceu no Rio Grande do Sul, numa família italiana de classe média alta. A mãe, Maria Helena, dedicou-se integralmente aos três filhos. E o pai, Theolindo João D"Agostini, cardiologista respeitado na cidadela de Passo Fundo, encarregou-se do provimento de uma boa educação para a prole. Sérgio estudou medicina e, em 1989, se mudou para Rio. Por aqui, estabeleceu-se na carreira, comprou um loft em Ipanema e passou a curtir tudo a que um homem solteiro e bem sucedido tem direito: noitadas, tardes no Posto 9 e viagens.

Há três meses, Sérgio conheceu Théo, no Educandário Romão de Mattos Duarte, um abrigo para crianças abandonadas, em Botafogo.

A mãe do bebê, segundo consta da papelada de adoção, sempre viveu na rua. E o pai, ninguém sabe, ninguém viu. Théo tinha várias doenças que herdou dos progenitores, entre elas sífilis. Tomava 15 remédios diferentes.

Nessa época, aliás, o menino ainda nem tinha nome. Por obra do destino, Sérgio mudou a vida de Théo. E Théo, claro, mudou radicalmente a vida de Sérgio. Eles viraram pai e filho.

- Eu sempre dizia que chamaria meu filho de Rodrigo.

Mas quando vi a carinha dele resolvi homenagear meu pai - conta Sérgio. - Nas primeiras semanas, foi um caos.

Se o Théo soubesse falar, teria pedido para voltar para o educandário. Ficamos eu e minha mãe, que veio do Sul dar uma força, atordoados. O Théo chorava muito e tinha um ronco constante no pulmão.

Uma noite eu estava tão apavorado que tentei lhe dar mamadeira com tampa.

Pais solteiros estão virando moda no mundo todo (o cantor Ricky Martin, por exemplo, acaba de adotar dois), e o Brasil não é exceção. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, criado em maio, há no país 80 homens esperando pela carta de habilitação, documento que autoriza a entrada na fila da adoção. O número é pequeno se comparado ao de mulheres e casais inscritos - 760 e 6.156, respectivamente. Mas a juíza Ivone Ferreira Caetano, titular da Vara da Infância, Juventude e Idoso no Rio, diz que está, de fato, havendo uma revolução no cenário das adoções, uma total quebra de paradigmas. Só na sua comarca, dois homens - entre eles Sérgio - esperam a guarda definitiva, e outros seis deram entrada no pedido de habilitação. A adoção é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, em vigor desde julho de 1990, autoriza a adoção por maiores de idade, independentemente de raça, gênero, religião e estado civil. A novidade, portanto, é fruto não de alterações na legislação, mas de mudanças comportamentais - afinal, as "novas famílias" permitem qualquer arranjo. A primeira adoção por um homem sozinho foi em 1996, quando o médico Ângelo Pereira virou pai do menino Pedro Paulo, depois de uma longa batalha. O caso era tão inusitado que rendeu um livro: "Retrato em preto e branco: manual prático para pais solteiros".

- O surgimento de homens solteiros se propondo a adotar aconteceu paralelamente à mudança no perfil da família brasileira. As famílias monoparentais hoje são comuns.

E a justiça tem que acompanhar essa transformação - diz a juíza.

Sérgio é a perfeita tradução dessa transformação. Três meses depois de assumir a guarda provisória de Théo, o solteiro bon vivant cedeu lugar ao pai dedicado. A vida está se acomodando aos poucos.

Dona Maria Helena volta e meia desembarca no Rio para paparicar o neto. E Sérgio se vira para ser pai e mãe.

De manhã, ele faz a barba com uma mão só, porque o garotinho gosta de colo quando acorda, às 6h. Às 7h, chega a babá, Jane, e o médico se manda para o consultório, que também fica em Ipanema.

Na hora do almoço, ele faz questão de passar em casa para dar comida ao filho. E às 18h em ponto tem que terminar o trabalho para reassumir o posto: Jane vai embora e Sérgio fica sozinho com o bebê. Sexta-feira era dia de folga, mais precisamente de frescobol com os amigos.

Agora é dia de levar Théo para a natação. O garotinho nem parece o mesmo que chegou à casa de Sérgio com um saco de remédios na malinha.

Esperto, sorridente e extremamente carinhoso, Théo hoje toma metade dos medicamentos e dorme como um anjo. A vida de pai solteiro pode parecer penosa, mas Sérgio garante: vale a pena.

Hoje com 43 anos, ele sonha com esse papel desde os 36, quando decidiu que queria ter filhos, mesmo sem parceria.

- Acho que comecei a questionar o sentido das coisas: por que estou aqui? Para ser médico e cuidar de meia dúzia de pessoas? Para viajar, curtir? Nada parecia ter sentido.

Eu precisava desse amor incondicional. Eu queria experimentar isso. Foi o Théo quem salvou a minha vida, e não o contrário - diz.

(...)

Voltando ao caso de Sérgio, a opção pela adoção foi muito pensada. Como não queria se casar ("Uma mulher não se encaixa na minha opção de vida", diz), sobraram-lhe três possibilidades: ter um filho com uma amiga; alugar uma barriga, moda em voga entre os pais solteiros dos Estados Unidos e da Europa; ou adotar.

Partilhar a criação com uma amiga faria dele um pai de fim de semana. Barriga de aluguel custaria uma pequena fortuna (Sérgio chegou a pesquisar, e encontrou mulheres dispostas a ceder o ventre por entre R$ 60 mil e R$ 100 mil). A adoção, então, lhe pareceu a melhor porta. Em agosto de 2005, o médico entrou com o pedido no Juizado de Menores para adotar uma criança.

Passou por todo o processo judicial, que inclui reuniões de grupo e visitas de assistentes sociais, e, um ano depois, conseguiu a carta de habilitação.

Em junho deste ano, o telefone tocou. Era a assistente social avisando que havia um bebê negro de seis meses disponível para adoção. A moça avisou que o menino trazia uma infinidade de problemas de saúde e perguntou se Sérgio gostaria de conhecê-lo.

- Quando vi a carinha do Théo, me apaixonei. Fui para casa sem saber o que fazer.

Meu coração queria aquele menininho, mas eu não podia assumir uma criança com tantos problemas sozinho. Liguei para todos os médicos que conhecia e não conhecia. Precisava que alguém o visse e me dissesse que ele podia melhorar. Nessa hora, o fato de eu ser médico não adiantou nada - conta Sérgio. - No dia seguinte à visita, embarquei para a França. Pensei: se ele ainda estiver no educandário quando eu voltar, é porque tem que ser meu. Cheguei uma semana depois e liguei. Ele estava lá, mas havia uma família na minha frente.

Até que me procuraram dizendo que o Théo estava no Miguel Couto muito mal e a família tinha desistido. Fui visita-lo com um neurologista.

Quando ouvi dele que não havia nenhum problema grave, eu disse: "É meu filho."

Reportagem de Karla Monteiro, Revista O Globo, 12 de Outubro de 2008


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