domingo, 16 de novembro de 2008

Pais e filhos, figura de retórica


Jr. do blog: Escalafobético

Tá rolando uma blogagem coletiva bem legal sobre adoção, organizada pela Geórgia. Apesar de não ser bom em aderir a essas coletivas, resolvi “si envorvê” nessa, já que eu sou filho adotado. Talvez seja bacana as pessoas que escrevem sobre o assunto saberem o que pensa um deles.

Falar sobre as campanhas de adoção até pode ser bem legal, mas não devemos deixar de falar sobre a responsabilidade da natalidade. Crianças órfãs de pai e mãe é uma coisa, crianças abandonadas em orfanatos por falta de responsabilidade na hora de trepar é outra bem diferente. Não sei avaliar as consequências emocionais para uma pessoa que foi abandonada nessas condições, mas devem ser péssimas.

Não quero redigir um Manual da Adoção, só vou falar então de adotados órfãos de pai, de mãe ou ambos.

A primeira coisa a dizer a um adotado é a verdade sobre essa sua condição, mesmo antes de ele começar a entender essas coisas.

A segunda coisa é não dizer a um adotado que “pai e mãe são aqueles que criam, que educam”, e todo esse blá blá blá, por mais que todos queiram que seja assim, não é, e ele sabe disso, não passe por mentiroso.

A terceira coisa é: nunca tente se colocar emocionalmente no lugar de um adotado pra tentar entender seus sentimentos.

Os cientistas já entendem que quando a mãe amamenta o bebe pela primeira vez, acontece uma descarga única de um determinado hormônio em ambos, e isso gera aquela ligação incrível que há entre mãe e filho. Os cientistas dizem também que se o pai estiver presente isso também ocorre com ele. Mas não é só essa ligação feita através da amamentação e tals, filhos biológicos tem ligações estabelecidas com seus pais através de meses de gestação. Geralmente passam a vida tendo uma sensação que ninguém sabe de onde vem, mas que lhe diz que a sua mãe daria própria vida por ele e vice-versa. Vai entender, são os famosos “amor de mãe”, “amor de pai”.

Pergunte a um adotado se ele também sente isso, mas peça-lhe sinceridade, a maioria não gosta de falar a respeito. Você é capaz de adivinhar por quê? Porque ele não sabe sequer do que você está falando.

Então, as pessoas com quem o adotado tem essas ligações estabelecida não são as mesmas pessoas que o criaram. Ele sente essa ligação, só que em muitos casos por alguém que ele nem sabe quem é. Isso é ou não bem louco? Daí a busca desesperada de muitos adotados em reatar seus vínculos, sacaram?

Adotados não gostam de falar sobre esses assuntos, dificilmente se expõem como estou fazendo, pois quando o fazem sempre são repreendidos, ou tentam suprimir os seus sentimentos, ou ainda fazê-los sentir o que não sentem. Mas tentem conversar sobre isso com um adotado de 15 anos, depois busque esse assunto com um de 40 (estou bem perto disso) e verás a diferença de quem levou anos pra entender as contradições dos seus sentimentos.

Filhos adotados sabem que são peixes fora d’água, eles podem passar a sua vida inteira sem exteriorizar esse sentimento, podem até tentar sufocá-los, mas eles sabem. A família que o recebeu certamente o fez por amor, certamente passou uma vida buscando tornar o adotado o mais legítimo possível, tratou-o o exatamente como aos seus “irmãos”, mas isso nunca vai criar artificialmente aquelas ligações que eu falei parágrafos antes, que existe entre os outros membros da família, menos com ele.

¿A vida de um adotado é uma droga por causa disso tudo?

Claro que não, é quase tudo igual a vida de todos, só é emocionalmente diferente, nada demais. Respeite esse fato e faça um adotado feliz (risos).

Quando você incentivar pessoas a adotarem crianças, órfãs ou abandonadas, incentive-as também a buscar apoio psicológico com profissionais especializados no assunto. Não a nada melhor para pais e filhos adotivos que trabalharem emocionalmente o fato de que no caso deles, apesar do amor que certamente nutrem uns pelos outros, a expressão “pais e filhos” não ir muito além de uma bela figura de retórica.

Post Scriptum: Aos meus pais, irmãos e irmãs, biológicos ou não que lerem este texto, saibam que eu lhes serei eternamente grato, e que os amo com todo meu coração.

Fazendo parte da blogagem: Adocao, um ato de nobreza!

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