quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Adorao, vitória


Soninha do blog: Roda de Prosa

Ao se aproximar o momento em que todos os participantes desta blogagem coletiva sobre adoção iriam postar seus textos, fiquei numa expectativa enorme.
Chegou o momento e estou muito feliz por poder participar deste movimento maravilhoso, encabeçado por Georgia e Dácio. Sou grata a eles que, direta ou indiretamente, nos convidaram a participar.
Em meu humilde texto, relato uma história verdadeira, relembrada com lágrimas quando a escrevi.
Entrego-lhes com muito carinho e respeito.
Obrigada! Muita paz!

Em nosso trabalho voluntário, lá no Centro de Assistência e Promoção Social Ana Vieira (CAPSAV), nos deparamos com muitas histórias. Especialmente lá na creche, somos obrigados a conhecer a história de todas as crianças e suas famílias.
O CAPSAV é constituído por 03 unidades, uma delas é a Creche Irmã Chiquinha que recebe, diariamente, 130 crianças de 0 a 4 anos, de famílias totalmente carentes. Porém, as mãezinhas têm de comprovar que trabalham e que não tem onde deixar seus filhos.
O fato de serem carentes no sentido material, não significa que todas as famílias que são assistidas sejam ignorantes. Têm mães e pais que estudam também, além de trabalharem.
Certa vez enfrentamos um problema muito dramático. Tínhamos, aos nossos cuidados, três crianças que ficavam lá na creche das 7 h da manhã até as 17:30 h, quando sua mãe, a Maria, ia buscá-los, após seu dia de trabalho. À noite estas crianças ficavam com o pai, pois a Maria estudava. Fazia supletivo para poder ter mais preparo. Ela queria melhorar de vida, ter um emprego melhor e, para isso, enfrentava a jornada de aulas noturnas, depois de um longo dia de trabalho pesado.
Esta mãezinha sofria de asma que lhe causava grande sofrimento. Fazia uso de medicamentos, inclusive, aquelas “bombinhas” com medicamento bronco dilatador. O pai, desempregado, fazia uso constante de alcoólicos, trazendo muitos aborrecimentos, não só à mãe como também às crianças e a nós, da creche.
Certa vez, numa sexta-feira, a mãe foi retirar as crianças e observamos que ela estava muito mal, atacada da bronquite asmática que lhe fazia sofrer muito. Debilitada ao extremo, percebemos o imenso cansaço e desespero desta mãe.
O seu filho mais velho, de nome Álvaro, já havia ficado alguns finais de semana na casa de uma de nossas diretoras, a Laura, que queria, justamente, colaborar com esta mãe que, aos finais de semana, tinha de arrumar sua casa, lavar as roupas das crianças e as dela e do marido, cozinhar, passar e tudo o mais que se tem a fazer em casa. O marido, sempre bêbado, em nada colaborava. Ao contrário, só trazia mais problemas com sua bebedeira, originando dívidas, brigas na rua e em casa, chegando inclusive a bater nas crianças e na mulher.
Laura estava se apegando demais ao menino Álvaro e ele a ela. O pai ficava muito enciumado e chegou, algumas vezes, a impedir que o menino ficasse com Laura.
Neste dia, na sexta-feira, quando vimos o grande abatimento da mãezinha, Laura ofereceu-se para ficar com o menino e a mãe negou dizendo que o pai havia proibido.
Na segunda-feira, logo de manhãzinha, recebemos as crianças como de costume. Sentimos a ausência daquelas três crianças. Ainda durante a amanhã, chega-nos a triste notícia. Maria, a mãe das três crianças, havia ficado muito mal na sexta-feira e durante todo o sábado. O marido, sempre fora de casa, bêbado, chegara somente no domingo, como costumava fazer. Os vizinhos relataram que as crianças estavam chorando muito, desde a noite de sábado e durante toda a madrugada. O homem abre a porta da casa humilde e se depara com o corpo da esposa, já enrijecido. Sim. Morta. Quem poderá dizer o sofrimento desta mãezinha, sem ar para respirar, usou o medicamento à exaustão. Seu coração não suportou o excesso do medicamento. Ela faleceu, tentando viver. As crianças, de tanto chorarem, adormeceram ao lado do corpo da mãe e só acordaram com o movimento e barulho do pai ao entrar em casa, junto com os vizinhos.
O desespero toma conta de nossa querida Laura. Todos nós, compadecidos com o acontecimento trágico, não conseguíamos atinar com as idéias.
Bem, foram dias tristes e semanas intensas de providências que tiveram que ser tomadas, dando assistência a esta família.
Durante este período, as crianças foram divididas entre familiares, haja vista a incapacidade do pai, por sua condição de alcoólatra. O menino maior, Álvaro, ficou em casa de Laura. Os outros menores ficaram em casa de parentes próximos.
Os dias corriam normais e Laura se apegava cada vez mais ao menino. O pai, enciumado, ia à creche e sempre fazia confusão, muitas vezes com discussão exacerbada sobre o menino e com nossa colega Laura. Um dia, Laura protocoliza, na Vara de Família do poder judiciário, o pedido de guarda desta criança e, após exaustivo processo, consegue a guarda provisória.
O pai, inconformado, passa a infernizar a vida de nossa querida Laura, entrando também na justiça para reaver a guarda do menino. O processo foi longo e doloroso. O menino, na época, estava com 4 anos de idade e no ano seguinte não poderia mais freqüentar a creche, pois nosso trabalho é dedicado a crianças de zero a 4 anos e 11 meses.
Sempre encaminhamos as crianças da creche quando alcançam esta faixa etária, para as escolas municipais de educação infantil, para onde o menino Álvaro seria encaminhado.
Com o processo em andamento, o juiz da Vara de família devolve a guarda ao pai que desaparece com as crianças e ficamos sem notícias por longo tempo.
Com imenso pesar Laura prosseguiu no trabalho redentor da creche, sempre lembrando do menino Álvaro e seus irmãozinhos, temendo pelo destino de todos.
Os anos se passaram. Oito anos, para ser mais exata. Numa manhã, iniciando os trabalhos da creche, surge no portão uma mulher com 03 crianças aos seus cuidados, uma delas, um pré-adolescente, loirinho e tímido. Ao ver Laura o menino abre um enorme sorriso e corre ao seu encontro, abraçando-a em prantos. No mesmo instante Laura reconhece Álvaro, agora tão crescido, com ares de homenzinho, nos seus 12 anos.
A alegria e emoção envolveram a todos os funcionários da creche. Todos queriam saber dele tudo o que havia se passado.
A mulher, que era a tia das crianças, relatou a triste história. O pai das crianças, quando obteve a guarda de Álvaro e dos irmãos, mudou de cidade. Voltou para seu lugar de nascimento, no nordeste brasileiro, sem destino, sem emprego, sem nada. Durante todo este tempo, fazia “bicos” para obter algum dinheiro e consorciou-se com várias mulheres, explorando-as de todas as maneiras, exigindo delas que cuidassem das crianças. Álvaro e seus irmãos sofreram todo tipo de maus tratos, passando até fome e sofrendo violências físicas, como surras e cárcere privado.
Esta tia havia prometido diante do túmulo da irmã querida que morrera deixando os filhos, cuidar deles ou, pelo menos, encaminhá-los para que tivessem educação e segurança.
Fez contatos com familiares das crianças, lá no nordeste e conseguiu o paradeiro deles.
Com ajuda de força policial, trouxe as crianças de volta para SP e nos procurou, na creche, a fim de ter a orientação necessária para bem cuidar dos menores.
Nossa Instituição a ajudou em tudo. Nossa querida Laura agilizou tudo para que as crianças menores pudessem ficar com a tia. Esta tia concordou que Álvaro deveria ficar com Laura de quem o pai jamais deveria ter tirado.
Após os trâmites legais, Laura, mesmo com 74 anos de idade, ganhou a guarda definitiva de Álvaro e a tia a guarda definitiva dos outros dois menores. O meritíssimo Juiz estabeleceu, também, a não aproximação do pai das crianças, sob pena de prisão, caso ele insistisse.
Hoje Álvaro já está com 16 anos e estudando o curso de ensino médio. Pretende fazer faculdade de Direito e abraçar as causas de família. Seus dois irmãozinhos também estão estudando e vivem felizes em companhia da tia querida.
Neste meio tempo, Laura ficou viúva, mas, sente-se feliz pela dádiva da vida, por tudo de bom que a vida lhe ofereceu e por Deus ter-lhe trazido Álvaro, seu filho adotivo amado, de volta. Com certeza ele cuidará de sua velhice com todo amor e carinho.

Fazendo parte da blogagem: Adocao, um ato de nobreza!

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